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Nestor foi o único filho que o ventre fraco de Dona Moema conseguiu segurar. Barriga frouxa que só ela, já tinha extraviado várias alminhas antes de nascer o menino, que só veio ao mundo à custa de muita simpatia e reza. As rezas vieram primeiro porque, mesmo casada de pouco, Moema não ficava prenhe. Mandaram rezar para tudo que é santo que tivesse bebê no colo. Deu certo, porque ela logo engravidou, mas aí perdeu criança atrás de criança. Então foi a vez das simpatias para reter o bucho: tricotou sapatinho com barbante, enterrou mamão atrás do galinheiro, tomou 40 chás diferentes em 40 dias, pegou neném gripado no colo, só comeu verdura dada na horta da vizinha, e dormia, todas as noites, com algodões úmidos pregados nos mamilos com esparadrapo. Foi só aí que descobriu que estava fazendo as simpatias erradas, que essas eram também para pegar barriga e não pra segurar. Foi Dona Calu que recomendou que, quando tivesse certeza de estar de neném, lavasse os pés todos os dias com água guardada da chuva e fizesse isso até parir. Então foi um tal de toda vez que chovia pôr um monte de balde pra fora pra pegar a água que iria lhe trazer o tão sonhado filho.

Dona Moema tinha certeza que a simpatia aprendida de Dona Calu havia sido a responsável pelo nascimento de Nestor e convidou-a para ser madrinha do menino. E a comadre ensinou ainda muitas outras simpatias para que o filho crescesse saudável e astuto.

Aos vinte e poucos anos de Nestor, Dona Moema procurou Dona Calu atrás de uma simpatia para afastar o filho das farras e bebedices e, caso ela tivesse conhecimento, para que lhe ensinasse alguma outra para arranjar bom casamento pro rapaz. Dona Moema, preocupada, contando causo e mais causo à comadre, confidenciou o que não era segredo para ninguém naquelas bandas. Todo mundo sabia que Nestor era um mulherengo sem corretivo e que já tinha andando com a Lucinha que trabalhava na venda, com a Rosa da Dona Aleluia, com a Rute vesga, com a viúva do padeiro, com duas das três filhas do Seu Belizário e com umas casadas de quem é melhor calar o nome. Ainda por cima, volta e meia Nestor ia ao arraial de Minas Verdes e pagava para ir com as mulheres de pouco tento. Como se não bastasse, assediava todas as moças que vinham da cidade para passear, e todas as famílias boas ficavam de olho nele quando recebiam parentas ou qualquer outra moça que pedisse pouso lá por perto.

Seguindo instruções de Dona Calu, numa noite de lua nova, Dona Moema ferveu leite de cabra e mergulhou uma cueca do filho no leite borbulhante. Depois, botou para secar no vento. No dia seguinte, no sol do meio-dia, ateou fogo na cueca de Nestor. Tudo muito escondido.

E foi nessa época que o Nestor foi ficando um pouco mais caseiro, parou de beber tanta cachaça, dormia cedo às vezes. No banco da praça do arraial, onde ele ficava matutando, sua cabeça recontava as Aninhas, as Santinhas, as Marias e as Madalenas que tinham provado dele. E mapeava os arredores na memória, contando também as fazendas, as paróquias, os arraiais, somando todas as moças e senhoras ao seu alcance. O tédio já lhe atrapalhava a aritmética quando o Nonoca dos queijos lhe apresentou o primo que vinha de Lagoa Nova. Era jeitoso o rapaz, suficiente para esquentar a imaginação de Nestor, cansado que só ele de ficar em cima só de mulher, só de mulher, só de mulher.

Os rumores que viriam depois disso deixaram Dona Moema com o sangue pesado. Começaram a cochichar pelas festas e novenas que o Nestor era o melhor amigo do Paolo do Seu Antero, do Pinduca boiadeiro, do sacristão novo, do caseiro da Fazenda das Bananeiras. Pior, quando ia ao arraial, Dona Moema recebia cumprimento dos rapazes, todos pedindo notícias de Nestor. Era peão, menino moço, os clientes do barbeiro, o motorista do ônibus, forasteiros.

Em conversa com Dona Calu, Dona Moema se queixava das traquinagens do filho e da simpatia desajeitada que a comadre tinha lhe ensinado.

“Ê simpatia da peste essa, ó!”
“Mais ocê feiz tudo certin?"
“Claro que fiz, uai!”
“O leite era di cabra?”
“Era sim!”
“Ocê viu ele saí da cabra?”
“Vê num vi, cumadi, mas era!”
“Será, cumadi? Será?”
“Qué que eu faço agora, ein, cumadi? Tem simpatia pro meu menino pará de brincá cos otros moço?”
“Deve de tê, mais eu num me alembro de tê ouvido falá...”

Dona Moema ainda tomou muito chá de maçã e de noz-moscada para aliviar a preocupação com o filho que sumia naquele mundaréu de espaço que é o campo, fugindo do tédio, caçando vaqueiros, leiteiros, sobrinhos, doutores, errantes...









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